Os
últimos dias foram para os cidadãos brasileiros um discurso dos contrários, uma
crise de paradoxos pouco vistos em nossa sociedade. População nas ruas,
bradando legitimamente por seus direitos civis, ao mesmo tempo em que se
embriagavam no torpe delirante da Copinha! Paradoxal, visto que parte das
reivindicações eram justamente contra a farra circense do mau uso do erário
público e do escoamento de divisas pelo ralo largo da corrupção.
Nesse
interstício, enquanto o povo urgia! Não tão na calada da madrugada, mas
aproveitando os ecos das manifestações que desviavam a atenção dos milhões
arrebanhados pela grande mídia, que insistia em dar uma conotação apartidária e
pacífica aos movimentos, afinal, dessa forma se desconstroem lideranças,
despersonificam os atos e descaracterizam os ideais de mudanças, uma vez que
enquadram na baderna os gritos insatisfeitos da retomada política, eis que são
impostas duas ações que marcham na contramão dos atos: a cura gay e o ATO MÉDICO!
Pois
bem, é sobre este último que pretendo dar meu pitaco:
Primeiro
é preciso afastar as opiniões do maniqueísmo que ronda uma série de discursos
sobre o ato, afinal, não é apenas uma questão de ser contrário ou favorável, é
preciso uma análise para além do discurso utilitarista das profissões!
Afinal,
distante da lógica capitalista de analisar os fatos, uma profissão não deve ser
medida em função da acumulação per capita que pode promover, ou mesmo em razão
do contrato social que desenvolve com as elites, uma vez que, historicamente, a
profissão médica no Brasil é amparada por nossa aristocracia que foi
substituída pelas oligarquias e hoje representa o portfólio de nossa burguesia,
incapaz de sensibilizar-se com as questões sociais urgentes de nossa sociedade.
Distante
disso, em razão da consolidação de uma sociedade civil de direitos, garantidos
por uma constituição, não se pode ser contrário à regulamentação de uma
profissão, sobretudo a da Medicina, afinal enquanto usuário, deve-se defender a
atuação regulamentada de médicos e demais profissionais da saúde, entretanto, é
preciso analisar com cautela as entrelinhas dos projetos, afinal, da mesma
forma que se vive em uma sociedade laica, e por isso é necessário revoltar-se
contra as formas de opressão e segmentação religiosa e cidadã implementadas
pela comissão dos pseudo-direitos humanos do congresso, é preciso, na mesma
proporção, se opor contra o cerceamento de direitos das demais profissões de
saúde do Brasil.
Analisando
o projeto na íntegra de seu texto é preciso entender que é razoável alguns de
seus pontos, afinal, infelizmente o Brasil experimenta a face mais cruel da
chamada livre iniciativa apregoada pelo sistema capitalista e, como as
fiscalizações são ridiculamente incipientes, há espaço para diversos “profissionais
de saúde”, praticarem do charlatanismo ao curandeirismo em nossas praças de saúde,
óbvio, a isso é preciso se opor, no entanto, movido por essa sensação de
insegurança à saúde, a classe médica pretende através do ato médico, disfarçado
de regulamentação profissional, dar um golpe de mercado e arrebanhar para si
uma população a qual, na sua maioria, ao invés do perfil de usuário e cidadão,
é vista pela categoria como clientela, portanto, fomento para suas ambições
mercantis!
Nesse
ponto o ato médico é vil, desonesto e travestido de uma ação em favor da
população constitui-se uma metáfora politiqueira e sagaz em torno do capital.
Analisando
alguns de seus pontos é preciso perceber essas intenções, sobretudo no que diz
respeito aos procedimentos invasivos e a coordenação de alguns setores de assistência,
afinal, há profissionais tão habilitados quanto alguns médicos para
supervisionar e decidir as estratégias ventilatórias, prescrever terapias não
medicamentosas, diagnosticar não nosologicamente, e decidir sobre alta e
procedimentos terapêuticos. Portanto, nesses quesitos o ato médico é sim
cerceador de direitos e garantias profissionais.
No mais,
acredito que o texto apenas condiciona as ações médicas enquanto procedimentos
próprios da categoria, porém, nesses exemplos citados é preciso uma revisão do
texto, aliás, diga-se de passagem, é preciso se apropriar desse texto em todas
as suas entrelinhas, afinal, só é possível ser favorável ou contrário a partir
do conhecimento do que é dito!
Entretanto,
é preciso analisar algumas questões que estão na periferia do tema e devem
fazer parte dessas discussões, afinal, em todas as categorias profissionais há pessoas
competentes e incompetentes!
Com
conhecimento de causa, é preciso exigir melhores formações para todas as
profissões de saúde, afinal, não adianta se brigar pelo reconhecimento disso ou
daquilo senão forem tomadas providências em relação ao mercantilismo que também
tomou conta do ensino superior no Brasil!
Por
exemplo, briga-se pelo direito a invasão de “cavidades naturais” dos
indivíduos, porém muitas das formações em saúde não preveem estágios dignos e
supervisões de proficiência prática, um exemplo disso é a uroginecologia, a qual
pode fazer parte do arsenal terapêutico de alguns profissionais, no caso da
reeducação funcional, entretanto, durante a graduação os alunos não tem essa
prática regulamentada em seu processo de formação, podendo chegar ao mercado
sem nunca terem adentrado as cavidades naturais de um paciente sequer! No caso
dos usos de produtos químicos, como é o caso das “terapias estéticas” muitas
formações em saúde não contemplam em seus currículos fundamentos de química
orgânica ou mesmo uma farmacologia rala sobre ação tópica de algumas substâncias,
portanto, há um excesso de empirismo e tecnicismo das ações terapêuticas!
Sem
falar das faculdades de beira de esquina onde cursos de saúde são quase que
todos teóricos e para fazer de conta, há um estágio geral no fim do curso,
porém que não permite vivência a contento para a boa prática clínica. E esses
déficits não se restringem as profissões não médicas, há cursos de Medicina,
sobretudo em países vizinhos ao Brasil, que oferecem baixo investimento, mas
sequer tem hospitais universitários credenciados.
Por
isso, defendo a residência multiprofissional obrigatória e os testes de
validação de categoria! Afinal, diferente do que propagam as classes médicas, não
são apenas os profissionais estrangeiros que deveriam revalidar os diplomas,
pois, para se ter uma ideia de a quantas anda a formação de saúde no Brasil, no
último exame feito pelo Cremec de São Paulo, 55% dos médicos recém-formados
reprovaram no exame, errando em média 60% da prova! Não eram cubanos! Eram todos oriundos da formação moribunda que
muitas escolas médicas brasileiras propagam. Portanto, para além do Ato Médico,
há questões importantíssimas a serem consideradas, mas voltando para o ATO,
observemos alguns de seus trechos:
Art 2º - O objeto de atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza.
Isso
deveria ser aprovada, afinal, fica subentendido que independente de plano de saúde,
SUS ou consultas particulares, não é aceitável entrevistas e anamneses de cinco
minutos, abuso da solicitação de exames complementares e conchavos de
prescrição com a indústria farmacêutica!
Além
disso, deveriam ser postas cláusulas mais coercitivas em favor do PROVAB,
sobretudo para os estudantes do FIES e do PROUNI, pois são sobretudo estes que
deveriam dar o exemplo de um retorno social.
Portanto,
assumir as responsabilidades de uma regulamentação em saúde é fazer uma
previsão não só de direitos, mas sobretudo de deveres, afinal, a classe médica
só põe a mesa aquilo que lhes é conveniente servir, assim como as demais
profissões de saúde necessitam de uma revisão epistemológica de seus pilares, e
a sociedade precisa fiscalizar e exigir
melhores serviços, afinal todos esses quesitos, além de atos de saúde,
são atos de cidadania!
E
aos mestres, formadores desses profissionais, quer sejam médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas, dentistas, enfim, todo o mutirão de profissionais, precisamos
colaborar com o engajamento político de nossos alunos, fazer do debate e da
discussão nossas ferramentas de trabalho, sermos contrários a alienação das
calouradas, do oba oba de manada, das manhãs, tardes ou noitadas de integração
que só servem para encobrir um clientelismo barato de instituições de ensino
que precisam respirar frente a evasão de alunos. Precisamos discutir os
mercados de saúde, nossas participações, brigar por uma carreira pública e não por uma política de plantões que nos faz
escravos do SUS apenas como bico ou alegoria no contracheque!
Por
isso, digo sim e ao mesmo tempo não ao ATO, afinal, quero um serviço digno de
medicina para mim e para a sociedade, porém sem coerção, briga de vaidades e
artimanhas do capital.
Abraços
fraternos.